sexta-feira, 26 de abril de 2013

Deambular ou sonambular? Inconsciência ou crime?


Existe a convicção generalizada de que andar durante o sono equivale a ter sonambulismo. É uma convicção equívoca que leva a frequentes erros de diagnóstico ou a grandes atrasos na ida ao médico.

Porquê? Porque andar durante o sono pode ser devido a várias causas e, consequentemente, ter tratamentos diferentes.

Pode efectivamente ser devido a sonambulismo. O sonambulismo é uma doença bem definida, porque é mais frequente nos rapazes, é familiar, começa em redor dos 5-6 anos de idade e tende a desaparecer na adolescência. Os episódios surgem classicamente no sono delta, ou sono profundo, cerca de 1 hora depois do adormecer e não se repetem mais na mesma noite. O sonâmbulo tem uma memória vaga ou quase nula dos acontecimentos, anda pela casa de uma forma ordenada mas inconsciente, pelo que corre riscos de acidentes, como cair por uma escada ou de uma janela, partir objectos, etc. Geralmente, não é agressivo, mas pode ter agressividade se contrariado.

O sonambulismo pode ser provocado por alguns fármacos psicoactivos, e ser agravado pelo álcool, drogas, febre ou pela privação de sono.

O conhecimento disto é muito antigo. Já na Odisseia surge porventura o primeiro caso descrito e agravado pelo álcool, em que Elpenor, guerreiro da guerra de Tróia, tinha bebido vinho após uma batalha e subiu a um telhado onde dormiu. Quando, na manhã seguinte, foi chamado para embarcar, levantou-se, andou pelo telhado, caiu e morreu. A Síndrome de Elpenor refere-se, pois, a isso mesmo e aos riscos dos episódios de deambulação quando se está a dormir ou se acorda subitamente num alerta confusional.

Recentemente, o filme Side effects trata novamente do assunto, descrevendo um crime executado num “pseudo” episódio de sonambulismo desencadeado por um anti-depressivo, e que teria sido “perfeito”, se um psiquiatra não o tivesse investigado usando um raciocínio policial.

O psiquiatra poderia ter usado um raciocínio mais clínico, ou seja, perante um caso de violência nocturna, há que investigar com imenso rigor e isenção, reproduzindo comportamentos, fazendo testes, estudos de sono, e outros exames necessários, para determinar se a violência, com ou sem crime, resulta de maldade ou de doença.

Violência no sono?

Sim, claro, a violência pode existir no sono e é, nesse caso, particularmente perigosa. Porquê? Porque quem a executa está inconsciente e a intensidade dos actos pode ser grande.

Quais as causas?

O sonambulismo, os terrores nocturnos e os alertas confusionais podem ser causa de violência ou de acidentes.

Outro caso é a epilepsia nocturna. Algumas epilepsias surgem exclusivamente ou predominantemente de noite e manifestam-se por episódios com comportamentos simples (movimentos dos membros, gritos, etc.) ou complexos (andar, sentar na cama, cair da cama, agredir, bater, etc.). Confundidas com sonambulismo, não são tratadas. Quais as diferenças? As epilepsias podem surgir a diferentes horas da noite ou no adormecer, podem ocorrer várias vezes na mesma noite, os comportamentos são estereotipados e deles não há memória no dia seguinte ou quando se acorda. O acordar é difícil, com dores no corpo, dores de cabeça ou confusão. As epilepsias podem surgir em crianças, em adultos e em idosos, e algumas são mesmo familiares.

Outros casos ainda que, classicamente, surgem principalmente em homens idosos são os transtornos comportamentais do sono REM. O que é isto? São episódios que ocorrem no contexto de um sonho, durante o qual alguém está a agredir ou o doente ou um familiar. O doente defende-se e, nessa defesa onírica, agride violentamente quem está próximo, salta da cama como se voasse, esbraceja, etc. Quando acorda com alguma dificuldade, muitas vezes ou porque alguém está a gritar ou porque se magoou, vê a desgraça que provocou e arrepia-se: são olhos negros, pescoços apertados, feridas e sangue, braços partidos, etc. , etc., sempre coisas más. Quem o faz é geralmente pacífico e cordato e não está de modo nenhum a exprimir violência, antes pelo contrário, esteve a defender-se dela.

O que aconteceu? Teve sonhos em que era vítima de violência, durante os quais, por não ter a clássica, normal e protectora “atonia do REM”, que nos paralisa transitoriamente, executou mesmo o que estava a sonhar.

Tanto as epilepsias como o transtorno comportamental do sono REM carecem de tratamento eficaz e imediato por especialistas em Medicina do Sono ou por Neurologistas. O sonambulismo, na maior parte dos casos, carece de medidas protectoras e profilácticas.

Portanto, nunca confunda uns com os outros, porque muitas vezes andar a dormir não é sonambulismo.

 

Professora Teresa Paiva,

Lisboa 26 de Abril de 2013

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Os Novos Morcegos


Os morcegos são os únicos mamíferos capazes de voar.

De acordo com a Wikipedia, existem 11 116 espécies diferentes e representam um quarto de todas as espécies de mamíferos do mundo. Têm, além disso, uma enorme variedade de formas e tamanhos, uma fantástica capacidade de adaptação ao meio ambiente, uma das dietas mais variadas entre os mamíferos e um sofisticado sistema de eco-localização.

Não sei qual destas características nos faz ter inveja deles. Será o voar? O sonar? Ou o facto de dormirem cerca de 20 horas no total das 24 e de, mesmo assim, com uma duração de sono de fazer inveja, sobreviverem tranquilamente há milhões de anos.

Inveja? Sim, assim diria porque hoje em consulta tenho frequentemente pessoas de todas as idades com os sonos ao contrário. Deitam-se depois das 6 e acordam a meio da tarde!

Dormem de dia, para de noite estarem acordados, noite fora, a trabalhar, a jogar, no chat, a navegar na net, a produzir ou criar qualquer coisa, ou, simplesmente, a ver televisão com mais ou menos zapping.

São novos, adolescentes ou jovens adultos, são pessoas de meia-idade em profissões criativas ou não, são reformados que se deixam embalar pela noite.

Vida social? Não é certamente fácil. Saúde? É certamente difícil, porque, tal como hei-de dizer muitas vezes, dormir de dia acarreta problemas especiais e graves de saúde.

Porquê? Não, efectivamente, não somos nem morcegos, nem ratos, nem mochos. Somos humanos e, tanto genética como fisiologicamente, estamos feitos para viver de dia e não é a presença de luz eléctrica que convence o nosso corpo do contrário.

A regulação dia-noite, chamada regulação circadiana, foi adquirida muito precocemente na evolução da vida terrestre por bactérias azuis, chamadas cianobactérias, que queriam evitar as mutações induzidas pelo sol no seu ciclo de reprodução. Essa capacidade de organização circadiana existe generalizadamente nos seres vivos, designadamente nas plantas e nos animais.

Assim, é tão antiga, tão intrínseca, tão própria, tão essencial, que não é a luz eléctrica que a demove.

Voltando aos morcegos. Estes fantásticos animais voadores tiveram em muitas culturas um enorme impacto cultural: se é certo que na tradição chinesa são símbolo de felicidade e longevidade e, no cinema, o Batman é um salvador, na maior parte das culturas estes extraordinários animais são associados a algo funesto, a tristeza, a vampiros e a morte e, na África Ocidental, consideram-nos mesmo uma representação duma “alma separada”.

Tenho uma enorme admiração pelos morcegos em si, mas devo dizer que muitos dos morcegos humanos que conheci tinham uma espécie de dor e de tristeza, como se algo neles estivesse de facto “separado”.

Professora Teresa Paiva

Lisboa, 19 de Abril 2013


NA PRÓXIMA SEMANA: DEAMBULAR OU SONAMBULAR? INCONSCIÊNCIA OU CRIME?

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Artigo da autoria do Doutor Luís Portela, Presidente da Fundação Bial


O blogue Em Busca do Sono Perdido

Porque precisamos dormir? O que se passa no corpo humano enquanto dormimos? Qual a importância do sono nas nossas actividades do dia-a-dia? Porque sonhamos e qual o significado dos sonhos?

Estas são algumas questões sobre as quais por vezes procuramos saber mais. Questões que assumem particular relevância quando, na sociedade moderna, vemos reduzida a quantidade e a qualidade do sono.

Mas, se há ainda muitas incertezas em torno do tema do sono, há também já muitas certezas. É hoje consensual que a redução do número de horas de sono tem consequências sobre a saúde física e mental. Dormir mal pode estar associado a um risco aumentado de hipertensão, doenças cardiovasculares, diabetes, depressão e outras patologias. Por outro lado, a falta de sono é ainda responsável por muitos acidentes de tráfego e de trabalho.

É inquestionável que o sono tem um papel preponderante no equilíbrio físico, emocional e social de cada um de nós. Por isso, é de louvar a criação deste espaço de sensibilização, educação e partilha de dúvidas sobre o sono. Estou certo de que o blog Em busca do sono perdido nos ajudará a dormir mais, a dormir melhor e a ter sonhos cor-de-rosa.

O meu bem-haja à Prof. Teresa Paiva.


Doutor Luís Portela, Presidente da Fundação Bial
Lisboa, 12 de Abril de 2013

Link para a página da Fundação Bial

sexta-feira, 5 de abril de 2013

O Diretor do Lloyds Bank e o Presidente da Coreia do Norte

O Director do Banco Lloyds assumiu ter tido um problema de saúde por privação de sono e excesso de trabalho.

Kim Jong-un, Presidente e Chefe Militar da Coreia do Norte, dorme três horas por dia e faz jejuns.

De comum a ambos, a privação de sono!

Horta Osório reconhece-a como problema grave, enquanto Jong-un é tido como génio.

Em Londres, disseram que a privação de sono atingiria cerca de 50% das pessoas. E aqui? Há indicadores alarmantes: 50% das crianças e jovens têm sonolência excessiva. Diariamente, consulto doentes com privação de sono/excesso de trabalho.

São de todas as idades, ambos os sexos e todas as classes sociais. São os que governam e os que são governados. São executivos, funcionários, assalariados e independentes. São comerciantes e vendedores. São os que querem subir na vida e os que nela estão altos. São ricos, pobres e remediados. São os que trabalham por turnos e os que não têm horário de trabalho. São mães e são pais. São mães separadas com filhos a cargo; são pais com dois empregos para sustentar a família; são os que fazem tudo para pagar dívidas e os que exigem pagamentos. São os que exercem cargos de poder e os que não têm poder nenhum. São muitos...

Primeiro trabalha-se muito porque tem de ser!

Vai-se noite dentro, deitando tarde, levantando cedo. Ouvem-se elogios. Fantástico! Que energia! Que capacidade! Vêem-se os resultados. Respostas na hora. O e-mail não espera, os telemóveis sempre activos. O dinheiro entra ou há-de entrar. O sucesso bate à porta ou irá bater.

Mas... começam os erros, os lapsos fugazes, a palavra que não vem, o encontro que se esquece, o erro profissional.

Depois vêm a irritação, os nervos à flor da pele. O bocejar inoportuno, a desatenção. A memória a fugir.

De início, chega-se à cama e dorme-se logo, mas depois quer-se dormir e não se dorme. Nem de noite, nem de dia. Olhos escancarados, cabeça em rodopio! Noites brancas, mesmo em férias.

O sono quebrado, a bênção perdida!

O desespero, a depressão, a memória estragada, o raciocínio manco, o humor deplorável, o “burned out”.

Acontece aos melhores, aos mais bem preparados, aos mais inteligentes.

Os génios não dormem pouco. Alguns, como Einstein, eram mesmo dorminhocos.

O sono garantiu a sobrevivência durante milhões de anos.

O grande beneficiário é o cérebro. O sono consolida as memórias, a aprendizagem e os conhecimentos abstractos, ajuda na resolução de problemas, estimula a criatividade e estabiliza as emoções.

Para pensar e estar bem, é preciso dormir!

O corpo é outro beneficiário. Dormir de menos ou de mais aumenta o risco de diabetes, obesidade, doenças cardiovasculares, hipertensão, cancro, acidentes e diminui a esperança de vida.

Para ser saudável, é essencial dormir!

São precisas regras e regularidades no dormir, no comer, no repouso, no exercício. Cuidado, a doença resulta de erros nas regras da natureza!

São precisos limites, no trabalho, no crédito, nas despesas, no prazer, no sofrimento, em tudo.

Não somos escravos. Precisamos de pausas ao longo do dia, de tempo para estar e ser.

Não somos, quais gladiadores, instrumentos para deitar fora quando nos acomete uma incapacidade.

Aonde chegámos com tanto trabalho, tanto desassossego, tanto crédito, tanta coisa?

A um país em crise, a uma sociedade doente, com pessoas tristes sem futuro à vista.

Aonde irá chegar Kim Jung-un, sem controlo nas suas estratégias bélicas, desafiantes e impulsivas? Quais os sofrimentos indizíveis a que levará o seu povo? Quanta dor, tristeza, devastação se disseminará por aquela região?

Será tudo isto o trabalho de um cérebro genial ou antes o resultado final de um cérebro com graves problemas de decisão e tendências impulsivas/agressivas, agravadas pela privação de sono?

Deus descansou ao sétimo dia e nós não somos certamente deuses.
 
Professora Teresa Paiva
Lisboa, 5 de Abril de 2013



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