“Durmo pouco, mas de consciência tranquila”.
Ouvi o Primeiro Ministro repetir esta frase diversas
vezes e, como hoje é Sexta-Feira Santa, vale a pena meditar sobre o seu
significado.
Hoje o mundo cristão recorda, celebra e venera a paixão
e morte de Jesus Cristo; o homem que disse que mais fácil um camelo passar
pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino dos céus.
O Papa adoptou um nome que, estranhamente, nunca
antes fora usado, lembrando com isso um Francisco que se despojou de riquezas,
criticou opulências, protegeu os pobres e falou com a natureza.
Ela chegou carente explicando os seus males
confusamente. Era magra, nervosa, de gestos inquietos. Vinha de longe em busca
da esperança duma solução.
Não dormia; tinha começado há uns tempos, mas
piorara muito no último ano. Nada lhe fazia bem, nem a punha a dormir; era um
desespero não dormir e ter de se levantar cedo. Levantava-se às 6 para pegar as
7; trabalhava até às 10 da noite e deitava-se pelas 11 /meia-noite.
Sabe, as coisas estão mal… não podemos ter
empregados… despedimos vários, isto porque sou só eu e o meu marido. Temos uma
empregada para o ajudar na cozinha, porque é ele que faz a cozinha e eu sirvo
às mesas, e eu não o quero sobrecarregar mais…
A contabilização das horas de trabalho e das
possíveis horas de sono dá resultados assustadores. Partilhar com o marido? Não
era possível porque ele ainda entrava mais cedo, pelas 4 para preparar os
almoços. Mas, pelo menos ele, que ressonava muito, dormia até muito bem!
Fico inquieta com a falta de soluções e as
complicações possíveis. A insónia dela à beira da depressão, a apneia dele. Hesito
numa racionalidade pouco convincente.
Ela - magra, nervosa, de gestos inquietos e ar
cansado - acrescenta então o problema principal: Perdemos a nossa casita, que
construímos há 12 anos. Quando o negócio começou a baixar, deixámos de pagar o
empréstimo e o banco ficou com a casa, que construímos os dois com o dinheirito
que ganhámos.”
Não há volta a dar?
Não, não, é mesmo definitivo, o banco ficou com
ela e vamos para uma casa alugada. Isto é o que mais me custa.
Esta insónia obedecia certamente ao modelo dos 3
PPP, com factores precipitantes, predisponentes e perpetuantes, mas… que
comportamentos mudar? Como ensinar regras de higiene do sono? Como minorar os
efeitos do drama existencial?
Porque, de facto, não se tratava só da insónia, mas
sim da crise de valores dos nossos dias, da imoralidade de finanças dominantes
e dominadoras, da desgraça duma classe que, por inculta, foi enganada com
facilidades, da indiferença dramática para com coisas semelhantes a acontecerem
em catadupa, da fatalidade de uma economia que, farta de sugar os pobres, passou a esvaziar
a classe média, da vergonha duma sociedade que não assegura direitos básicos
aos seus cidadãos, que não protege os mais fracos, que não regula os mercados
nem a ganância de investidores anónimos, que não pune nem os grandes
prevaricadores nem os causadores da situação actual, a que chamam “crise”.
Uma sociedade que avoluma o fosso entre ricos e
pobres e que a cada dia cria mais pobres.
Uma sociedade assim, de acordo com o Papa
Francisco, não garante os direitos humanos e, por isso, não se pode lavar as
mãos como Pilatos nem dormir de consciência tranquila.
Professora Teresa Paiva
Lisboa, 29 de Março de 2013